Por: Nilson de Mello de Filho
A discussão da questão ambiental sempre esteve permeada de vários significados, que podemos agrupar em duas correntes de pensamento. Uma cultural, que questiona o estilo de vida, o consumismo, as formas de produção e de apropriação da natureza do modelo de desenvolvimento capitalista-fordismo. A outra utilitária, protagonizado inicialmente pelo Clube de Roma, que após décadas de crescimento dos países centrais, defendia a ideia do crescimento zero para economizar recursos e energia, assegurando dessa forma a acumulação de capital. É dentro dessa disputa ideológica que o conceito de justiça ambiental propõe uma ressignificação da questão ambiental.
Para o modelo utilitarista o meio ambiente é um só, sem representações socioculturais específicos e diferenciados, é entendido apenas como fonte de recursos, e expresso em quantidades, não importando os motivos pelos quais a sociedade se apropria dos recursos naturais. A poluição é aceita como preço do desenvolvimento e é democrática, afetando a todos sem distinções de classe. O mercado global, o conhecimento científico e consenso político são as estratégias de afirmação do modelo utilitarista, conhecido como modernização ecológica. Discurso reticente de eficiência para economizar os recursos, para dar preço ao que não tem preço, garantindo que os recursos estejam disponíveis para a acumulação do capital. Com a globalização as empresas, ao se instalar em determinado local, podem exigir vantagens, impor práticas poluentes e perdas de direitos, usando como argumento a oferta de empregos e aumento de receitas públicas, processo conhecido como chantagem locacional (ACSELRAD, 2010).
Para razão cultural o meio ambiente é plural, complexo e socioculturalmente múltiplo, reconhece que não há ambiente sem significações e lógicas e seu uso depende das representações das diversas sociedades e culturas. Questiona os motivos pelos quais as sociedades se apropriam dos recursos, para produzir “arados ou canhões”. Reconhece que os problemas ambientais são desigualmente distribuídos entre as classes sociais, que os mais ricos se beneficiaram mais com o desenvolvimento e teriam mais condições de evitarem os problemas da poluição, enquanto os mais pobres são coagidos, pelas regras do mercado, a viverem em áreas mais degradadas e com menor investimento governamental (ACSELRAD, 2010).
Essa desigual distribuição dos recursos e da poluição dentro da sociedade e a percepção que o ambiente de uns prevalece sobre o ambiente de outros, estimula os conflitos ambientais. Para a raiz cultural, a injustiça social e a degradação ambiental possuem a mesma origem e se faz necessário mudar as formas de distribuição, retirando dos poderosos o poder decisório sobre os recursos e a capacidade de transferir a poluição para os mais pobres. Portanto Justiça Ambiental é um conceito em construção, da união de movimentos sociais que historicamente lutam por mais direitos com as questões ambientais. O movimento de Justiça Ambiental surge na década de 1980 nos Estados Unidos, denunciando a lógica que torna desigual as condições sociais, a divisão dos recursos e a distribuição da poluição. Diferentemente da lógica do Movimento Não no Meu Quintal, os autores envolvidos com a questão do racismo e da desigualdade ambiental, começam a evidenciar a prática que vigora, Sempre no Quintal dos Mais Pobres. O perfil socioeconômico das vítimas de desastres ambientais evidencia essa desigual distribuição dos problemas ambientais. O Movimento por Justiça Ambiental estabeleceu os princípios e práticas que definem as categorias de luta por justiça ambiental, são elas:
- Asseguram que nenhum grupo social seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;
- Assegurem acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;
- Asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;
- Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD, 2010).
É através de formas de luta inovadoras que os movimentos sociais têm inserido a pauta da justiça social na questão ambiental e que essa não siga apenas a lógica utilitária do mercado. Nesse sentido, faz-se necessário superar a visão clássica do desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico perpétuo, progresso linear e antropocentrismo desmedido (Gudynas, 2011). Urge discutir alternativas de um novo modelo civilizatório que tenha como base o Bem Viver, na tentativa de reconsiderar as relações com a natureza. O futuro é ancestral.
Autor: Nilson de Mello de Filho: Doutor em Meio Ambiente, Biológico e Diretor da empresa Broto Fácil
Nas viagens que fiz pelo nosso país percebo que a ancestralidade do viver tem tempo,tem sentir.Abdica do excesso pelo respeito às necessidades e não se intimida com as regras da atualidade.