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Como deixar morrer um bar que nunca existiu…

Posted on 30 de agosto de 2025 by americaprofunda

Por: Rodrigo G. M. Silvestre

Vejo por todos os lados a comoção pelo fechamento do bar Kapele. Dizem que encerrou suas portas definitivamente, mergulhando Curitiba em um luto silencioso e profundo. Que há 51 anos, o bar clandestino foi o último refúgio de quem buscava vida, música e encontros autênticos; agora, apenas o vazio reverberante ocupa o lugar onde tantas noites se iniciaram e encerraram.

Mas como se lá nunca existiu um bar? Se ao passar pela Saldanha Marinho, luzes apagadas, não existe letreiro, não existe sinal de vida… Dizem, que só os iniciados sabiam de sua existência, que até senha era preciso murmurar para a Senhora na porta, que à boca pequena chamavam de Mara. Eu mesmo nunca vi… nunca vi nenhuma senhora sentada em uma cadeira do lado da porta, cobertor no colo para conter o frio lancinante da noite gelada de Curitiba. Que diziam contrastar profundamente com o calor, a fumaça e o som alegre que existia dentro.

Dizem que depois que Mara nos deixou, outra mulher incrível manteve seu legado. Mas como? não teríamos então ouvido falar dessa tal de Sil? Que pelo canto da porta controlaria o acesso de quem tinha ou não a honra de entrar no bar? Que mesmo autoridades, artista e magnatas, tinham que se colocar diante do escrutínio da esfinge? Certamente teríamos ouvido falar, haveriam registros, haveriam centenas de pessoas se manifestando nesse momento. Teria sido retumbado pelos quatro cantos do ciberespaço o mero risco de tal acontecimento.

Dizem que no último dia de funcionamento, poucos testemunharam o apagar das luzes do Kapele. Mas como, se esse bar “do avesso”, nem mesmo existia. Como poderia ter fechado? Se nesse espaço que não poderia caber nem mesmo uma pequena loja, como poderia ter sido um dos mais longevos símbolos da boemia curitibana e cenário de incontáveis histórias que formaram a alma da cidade. Eu mesmo jamais frequentaria um bar assim, sempre tive muito medo de caminha pelas noites frias e escuras do centro de Curitiba, ainda mais na alta madrugada. Um verdadeiro desatino. Caso tivesse ido, certamente me lembraria… lembraria?

Se por lá passaram pelas madrugadas muitos artistas, escritores, músicos e figuras anônimas, todos unidos pela cumplicidade do espaço clandestino e pela sensação de pertencimento. Porque então dizem que um tal Bardo Marinelli é que dominava a musica? Que em meio a dezenas de pessoas em um espaço que desafiava as leis das física de que dois corpos não podiam ocupar o mesmo lugar, trovava musica até além das três horas da manhã. Nem existem bares abertos em Curitiba as três da manhã… Um Marinelli assim seria conhecido, tocaria em outros bares, teria suas musicas cantadas por outros artistas e cantaria, ele também, o melhor de nossa cultura brasileira. Não, esse bar realmente nunca poderia ter existido.

Se esse tal de Kapele não era apenas um estabelecimento; era palco de movimentos culturais, da liberdade em tempos sombrios, da amizade que resiste à passagem do tempo. Agora, o vazio deixado por suas portas fechadas representaria a ausência de noites improvisadas, conversas eternas e música de violão preenchendo a sala. Haveria, caso realmente tivessem cometido o disparate de deixá-lo fechar, um silêncio que ecoaria muito além das paredes: um vazio histórico que Curitiba jamais conseguiria preencher.

Eu mesmo, se tivesse podido frequentar um bar assim, sentiria uma saudade pungente e a certeza de que o Kapele teria feito história justamente por desafiar convenções, acolher quem precisava de abrigo e marcar parte dos momentos mais sinceros da boemia curitibana. Sua ausência seria sentida não só por mim, nem só por seus frequentadores, mas por toda uma cidade que já saberia: jamais haveria outro como ele. Ainda bem que ele nunca existiu…?

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