Por: Paulo A. Bastos Júnior
O Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, 19 de agosto, recentemente instituído pela Lei nº 15.187 e sancionada em 4 de agosto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é mais do que uma data no calendário. É um lembrete doloroso e urgente de uma luta que precisa ser travada todos os dias. A data remete a um dos episódios mais trágicos da história recente de nosso país, o “Massacre da Sé” em 2004, que chocou o Brasil e o mundo ao expor a extrema vulnerabilidade e a violência a que essa população é submetida.
Embora a moradia seja a pauta mais urgente e importante para os movimentos sociais, é crucial não esquecer que a dignidade plena passa também por outras frentes de luta. Sabe-se que a batalha se trava contra a indiferença de uma sociedade que, por covardia ou conveniência, elege nesse grupo social os seus maiores inimigos. Em vez de enfrentar os problemas estruturais que geram a pobreza e a exclusão, muitos grupos políticos preferem estigmatizar essa população por meio de proposições higienistas e desumanas, transformando-a em bode expiatório para seus fracassos. Assim o fazem porque encontram eco na sociedade, que reverbera suas ignomínias, refletindo-se em likes e, quem sabe, em votos mais adiante.
De forma controversa e irônica, talvez não baste a implementação de programas voltados diretamente à melhoria das condições de vida das pessoas em situação de rua. É preciso, simultaneamente, pensar em iniciativas de conscientização e esclarecimento humanizante para a grande maioria da população domiciliada, com forte predomínio de uma cultura cristã. Eis a ironia: muitos são assumidamente “fiéis”, mas não conseguem reconhecer, nas pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade gritante, os seus “irmãos”, como nos pede a mensagem evangélica.
Saúde, educação e segurança alimentar e nutricional são direitos fundamentais que, quando negados, aprofundam o ciclo de exclusão. Contudo, o direito a uma moradia digna pode ser considerado o primeiro de todos os direitos do cidadão. No Brasil, as políticas públicas que o garantem são escassas e de alcance muito limitado. Nesse contexto, programas como o “Moradia Primeiro” (Housing First), que já possuem experiências piloto no Brasil, representam uma esperança. A premissa é simples e revolucionária: a moradia é um direito humano inegociável. O acesso direto e sem pré-requisitos a uma habitação permanente é o primeiro passo para que as pessoas possam, então, acessar outros serviços e reconstruir suas vidas. A superação da situação de rua não é um problema de escolha pessoal, mas sim de escassez de políticas públicas que abordem todas essas dimensões.
O combate ao preconceito, à aporofobia (o medo e a aversão aos pobres), ao descaso e à invisibilidade social são lutas permanentes que ultrapassam o limite temporal de um dia. A luta do dia 19 de agosto não pode se restringir a um único dia. É um movimento contínuo, de uma vida inteira, por justiça, por dignidade e, acima de tudo.