Por: Ana Flávia Bassetti

agora quero me perder no feminino.
quero poder acender a ânima neles que sofrem
animados com o que vem de fora
os perdidos, os coitados, os sós.
desejo.
o feminino me chama há tempos
desde antes de mim mesma eu já vivia em partículas femininas de plantas e animais
de pele e amor
de gioia e gratidão.
eu venho através de todos os tempos para chegar em mim
através de todos os ciclos.
queria poder acender a ânima deles que sofrem
acariciar suas dores
resgatar seus poemas
dizer:
podem ser sentimento!
podem ser!
eu sou todas as mulheres
sou a carola com tesão
a puta frígida
a viúva negra que presencia de novo e de novo e de novo a sua incapacidade para o amor.
a tia maconheira
aquela velha carpideira
chorando um morto que não é seu.
eu sou a criança com fome
a avó sociopata
a idosa com o chicletes na esquina da vida.
sou maria imaculada
eu sou a freira no cio
eu sou uma bióloga marinha no deserto
que não consegue sentir o sol.
eu sou todas aquelas rejeições
todos os gozos
todos os peitos mamados e as abelhas rainhas
eu sou aquela cadela na rinha.
sou aquela deusa do paleolítico
com sua própria política
eu sou a fertilidade dos pomares
e a larva na fruta que anuncia outra vida que vem
eu sou a mãe infértil
a soltura da menina
estou desarmada.
eu sou o suor da atleta e a borboleta arrancada do seu porvir para adocicar o casamento
eu sou aquela velha guerreira com licença para chorar. e não venha me amordaçar.
eu sou a filha desgovernada
aquela moça mal amada
eu sou a réstia de luz que ilumina a boneca na prateleira.
sou a ferpa que corta
eu sou a última gota
o choro de madrugada
a beleza de uma toada à noite no sertão.
eu sou aquela menina estranha
a musa do poeta
sou pomba gira e loba da estepe.
eu sou aquela que dança em volta da fogueira
e também aquela que nela queima.
eu sou todas elas, as perdidas
eu sou a camisa passada à ferro quente que não alisa.
eu sou a vertigem do abismo
sou a virgem des-himetizada pelo selim da bicicleta.
sou tudo o que dói e grita
e tudo o que canta
sou o rubor no meio do salão de dança
mas sou também a mão que segura a lança.
eu sou este fluxo em mim
sem fim.
eu sou essas todas e todas elas me são
estou sã.
Parabéns pelo texto Ana.
Qtas personalidades, quantas dores , qtas lutas e desejos… num texto lindo e coletivo.
Somos todas