Skip to content
Jornal América Profunda

Jornal América Profunda

Menu
  • Início
  • Sobre o Jornal
  • Como publicar ser texto no América Profunda?
  • Expediente
Menu

Amores líquidos e algoritmos. Sobre quebrar o coração e os mecanismos (in)sensíveis de venda das redes.

Posted on 10 de junho de 20224 de agosto de 2025 by americaprofunda

Por: Ana Flávia Bassetti

No final do ano passado perdi, inesperadamente, dois clientes que pagavam mais da metade do meu salário. No mesmo dia, recebi uma compra feita pela internet: um maiô e uma blusa num total de R$489 que resultaria em, no máximo, vinte minutos de satisfação dos meus desejos. Olhei para aquilo e vi que era um absurdo. Além de não fazer parte da minha realidade, eu precisava de fato daquelas coisas? Foi quando estabeleci o seguinte propósito para o ano que chegava: não compraria nada de absolutamente supérfluo. Com um sorriso de satisfação de canto de boca, pensei: “o que esse algoritmo sacaninha vai me oferecer agora? Hein, hein, hein?”. Claro que eu não tenho interesses estritamente supérfluos, mas eles são os que mais rendem para a máquina, certo? Bom, desde então ele tentou várias coisas, mas sem muito foco. Me oferecia de seguro para cachorro até curso de psicanálise. Sim, eles estão nos escutando e metrificando o tempo todo, mas acho que a minha vida andava mesmo mais eclética e aleatória.

Foi quando, no começo de maio, me apaixonei. Perdidamente. Dessas coisas que, em pouquíssimo tempo, você tem certeza que é pra sempre porque você quer que seja. Você quer tanto que dê certo porque você quer tanto, que você quer logo que a pessoa venha com as merdas todas dela e quer ir com todas as suas e vamos resolver juntos e ser felizes para sempre! Há um mês me encontrava apaixonada. Feliz. Realizada. Satisfeita. Claro que nem tudo são flores, mas estava mais crente na vida do que nunca na vida e, consequentemente, menos consumista do que nunca.

Então, sabe o que o fucking algoritmo fez? Ele não me deixou esquecer em nenhum momento do que eu poderia perder. Como seria ruim se eu perdesse. E, claro, o que fazer para não perder. E ele nem precisava! Como boa ansiosa depressiva, eu sabia que, a qualquer momento, poderia cavar minha ruína sozinha (ou não, vai saber…). Mas acho que ele ajudou. Ah! Ajudou! Até comentei com meu namorado na época (engraçado usar “na época” para um mês atrás, Bauman explica?) sobre os conteúdos patrocinados que começaram a aparecer na minha timeline (ainda é timeline que fala?). Coisas como “faça ele sonhar todos os dias com você”, “como segurar um homem”, “descubra se ele te ama de verdade em 10 passos”, “10 posições para fazer na cama e esquentar as coisas”, “baixe agora o app e descubra se você está sendo traída”…dessas para pior…

E eu, mesmo que a carcaça diga muitas vezes o contrário, nunca fui lá muito segura. Alguém é?

E também, neste exato momento, estou na fase de procurar culpados. Peço que não me julgue.

Depois de um mês de êxtase e alegria, havíamos nos desencontrado e, exatamente no dia 04 de junho, como em muitas outras tantas vezes na minha vida, saí decidida a provar para o mundo que era melhor sozinha, sem sucesso. Não que eu não seja boa sozinha, mas quando tento provar saibam que a merda está feita. Saibam não, saiba de uma vez por todas você, Ana Flávia! Bom, fato é que levei um golpe emocional seguido de um golpe financeiro: caí naquele da troca de cartões de banco, sabe? Eu, muito inocente e pseudo alegre saindo da festa e ainda ouvindo na minha mente inquieta resquícios de “juro que não vai doer se um dia roubar o seu anel de brilhante, afinal de contas dei meu coração e você pôs na estante…. aí de mim que sou romântica”, fui comprar mais uma cerveja desnecessária de um ambulante e bum!, já era. Muito dinheiro pelo ralo. E mesmo depois de, enfim, ter uma parte recuperada (do dinheiro, não dá dignidade) e de conversas com amigos na tentativa de entendimento de que o dinheiro, como os homens, vem e vai e que esses casos têm a ver, de alguma forma, com a desigualdade social que nos assola, ainda me sinto uma merda.

Hoje, quase cicatrizada depois de uma semana me refastelando em lágrimas pelos golpes tomados, ouvindo música caipira para ter um pouquinho mais de fé no mundo e tentando sentir um cheiro de mato no bouquet do vinho barato (para quem?) do mercado, eis que o algoritmo vem me aterrorizar novamente. Calma, não me julgue tão cedo. Sim, uma semana é pouco, mas as coisas têm sido assim né? Tem um autor do qual eu gostava mas que agora vai na Fátima Bernardes e que eu não gosto mais por isso – porque tem esse meu lado escroto e pseudo intelectual que desmerece as coisas que, de alguma forma, se adaptam a este mundo escroto e funcional – que diz que a conta que a gente paga ao finalizar um relacionamento é de 10%. Nada a ver com a música sertaneja. Segundo ele, ao final de cada história a gente tem uma conta de 10% do tempo que ela durou para pagar em dor de cotovelo. Ou seja, se você ficou com alguém durante um mês, vai sofrer por três dias. Acho bom pensar assim. E estava aqui tentando me convencer disso, já que já se passaram sete dias. E nessa, tentando me convencer a seguir em frente, tenho ainda que lidar com o algoritmo me dizendo como trazer ele de volta em dez dias, como dar um chá de sumiço para ele correr atrás (tem e-book deste, inclusive), qual a mensagem exata que eu devo mandar para que ele se re-apaixone. Mas, ao que parece, este é só o começo. A coisa tá bem desenvolvida. Quando comecei a denunciar esses posts patrocinados como fraudulentos, começaram a aparecer coisas mais, poderia dizer, “elaboradas”, como por exemplo sobre como o chá de sumiço não funciona porque, afinal, “você quer que ele fique pelos motivos certos, certo?”. É quase como uma dialética sangrenta de venda que usa dessa nossa tão atual dificuldade de lidar com as frustrações da vida e da consequente busca por respostas prontas para coisas para as quais não há. O amor existe. Ele é bom. E ele, muitas vezes, dói. Não existem respostas fora. Não existem! Será que, nem no momento desta dor mais genuína, não podemos não comprar nada?

Uma voz de alento de uma cara amiga vinda pelo direct (ah! como amo paradoxos) diz que as pessoas só fazem com a gente o que permitimos. E eu, com um tanto de fé em mim e na humanidade, adiciono que os algoritmos também

2 thoughts on “Amores líquidos e algoritmos. Sobre quebrar o coração e os mecanismos (in)sensíveis de venda das redes.”

  1. Joana disse:
    23 de junho de 2022 às 20:04

    Sigo admirando e aplaudindo esta escritora tão orgânica e genuína! Sigo dizendo (e escrevendo): por mais ANAS no mundo.

    Responder
  2. Bruno M Nunes disse:
    23 de junho de 2022 às 20:42

    Hahahaha maravilhosa!! Te amo!! Quero ler mais textos teus!!!

    Responder

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts recentes

  • Como deixar morrer um bar que nunca existiu…
  • 19 de Agosto: Uma Luta Diária por Dignidade e Moradia
  • Eleições de 2025: Direita Avança e Esquerda Fragmentada Fica Fora do 2º Turno na Bolívia
  • A morte de Miguel Uribe, presidenciável baleado em comício na Colômbia, e as eleições
  • E se Trump usar como sanção a proíbição de Microsoft, Google, Amazon e Meta de comercializar com o Brasil

Comentários

  1. Maria Tereza Gomes Marques Silvestre em E se Trump usar como sanção a proíbição de Microsoft, Google, Amazon e Meta de comercializar com o Brasil
  2. Jaqueline Monteiro Oliveira em Trilhos sombrios: “Nova Ferroeste” e o impacto na vida dos moradores de Morretes
  3. Rodrigo Irala em Mulher
  4. Rodrigo Irala em QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?
  5. Rodrigo Irala em QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?

Arquivos

  • agosto 2025
  • julho 2025
  • outubro 2023
  • setembro 2023
  • agosto 2023
  • julho 2023
  • junho 2023
  • maio 2023
  • abril 2023
  • março 2023
  • fevereiro 2023
  • janeiro 2023
  • dezembro 2022
  • outubro 2022
  • agosto 2022
  • junho 2022
  • abril 2022
  • março 2022
  • janeiro 2022
  • dezembro 2021
  • novembro 2021
  • outubro 2021
  • setembro 2021

Categorias

  • Academia e sociedade
  • América Invisível
  • Caminhos para a revolução latino-americana
  • Contra-cultura
  • Contra-hegemonia da mídia (intercâmbios)
  • Crise migratória
  • Movimentos Sociais
  • Mulheridades e Feminismo
  • Sem categoria
  • Volume I * nº. 1 * Setembro de 2021
  • Volume I * nº. 2 * Outubro de 2021
  • Volume I * nº. 3 * Novembro de 2021
  • Volume I * nº. 4 * Dezembro de 2021
  • Volume II * nº. 1 * Janeiro de 2022
  • Volume II * nº. 10 * Outubro de 2022
  • Volume II * nº. 12 * Dezembro de 2022
  • Volume II * nº. 2 * Fevereiro de 2022
  • Volume II * nº. 3 * Março de 2022
  • Volume II * nº. 6 * Abril de 2022
  • Volume II * nº. 8 * Agosto de 2022
  • Volume III * n°. 3 * Março de 2023
  • Volume III * nº. 04 * Abril de 2023
  • Volume III * nº. 05 * Maio de 2023
  • Volume III * nº. 06 * Junho de 2023
  • Volume III * nº. 07 * Julho de 2023
  • Volume III * nº. 08 * Agosto de 2023
  • Volume III * nº. 09 * Setembro de 2023
  • Volume III * nº. 1 * Janeiro de 2023
  • Volume III * nº. 10 * Outubro de 2023
  • Volume III * nº. 2 * Fevereiro de 2023
  • Volume IV * nº. 7 * Julho de 2025
  • Volume IV * nº. 8 * Agosto de 2025
© 2025 Jornal América Profunda | Powered by Superbs Personal Blog theme