Por: Hanin Majdi Dawud Al Najjar
Ao testemunhar as reações de comoção na cobertura midiática da Guerra entre a Rússia e Ucrânia, é evidente a atribuição de maior importância a algumas vítimas de guerra sobre outras, ocasião em que o horror da guerra tem sido tratado sob uma narrativa baseada em argumentos claramente racistas e xenofóbicos, delineados sob uma ideia de civilização com limites epidérmicos.
Demonstrando forte senso de solidariedade com a Ucrânia, os discursos de condenação dos conflitos belicosos emitidos por diversos jornalistas ao redor do mundo têm carregado em seus relatos o uso da palavra “civilizado” para descrever a Ucrânia em contraste com países do Oriente Médio, em uma tendência característica do vocabulário do colonialismo.
Expressões como “Eles se parecem tanto conosco”. É isso que o torna tão chocante. A guerra não é mais algo que atinge populações empobrecidas e remotas. Isso pode acontecer com qualquer um. São mensagens nas quais a distinção humanitária estabelece uma violenta lógica de exclusão ao retratar padrões duplos baseados em classe social, raça, etnia e nacionalidade, promovendo a implantação de uma hierarquia do luto.
Por sua vez, é de se observar a amplitude das outras guerras em percurso, como o Iêmen, país há 11 anos mergulhado em uma devastadora crise humanitária que causou até o momento cerca 350 mil mortes, o deslocamento de 71% da população, bem como a insegurança alimentar de 5 milhões de pessoas. Estas sofrem desnutrição aguda, o que transforma esse conflito no que a ONU chamou de pior desastre humanitário do mundo.
A guerra na Etiópia desencadeada em 2020 tem sido considerada uma das mais brutais do mundo com a exposição de sua população a assassinatos e estupros em massa. Nos últimos anos a radicalização do budismo no Estado de Mianmar promove a perseguição de uma minoria étnica muçulmana conhecida como Rohingya, as atrocidades desse genocídio incluem a utilização do estupro e a queima de pessoas vivas em praça pública como arma de guerra, um massacre incentivado pelo governo da região.
O já abalado Haiti entrou em uma crise política que provocou uma guerra civil com fluxo generalizado de pobreza, deslocamento e violência. Estima-se que a guerra na Síria dizimou 600 mil pessoas desde 2011 e forçou 13 milhões ao refúgio, além de deixar o país.
O Afeganistão é um dos lugares mais mortíferos do mundo para mulheres e crianças. 2,7 milhões de afegãos foram forçados a fugir da guerra nos últimos 20 anos durante a guerra provocada pelos EUA.
A limpeza étnica na Palestina liderada pela criação do Estado de Israel em 1948 e a substituição da população palestina por colonos de origem judaica já dura 74 anos e é marcada por um apartheid violento e um genocídio atroz que marca o número de 6 milhões de refugiados.
A busca dessas populações por refúgio consiste no encontro com fronteiras fechadas, obstáculos que notadamente os ucranianos não encontraram em seu percurso, pois até seus animais de estimação vem recebendo mais apoio político e emocional no cruzamento de fronteiras do que qualquer cidadão da África ou Oriente Médio, os quais lidam com consequências tão mortais em sua permanência quanto em sua fuga da guerra ao encontrar bloqueio tanto por terra quanto por mar.
A condição violável a qual certas vidas são expostas, bem como a repercussão do luto público demonstra uma discriminação aberrante e um mundo no qual a cor da pele é um passaporte.