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Viva o dia 27 de Setembro!

Posted on 19 de novembro de 20214 de agosto de 2025 by americaprofunda

Por: Vinícius Carvalho

Viva as Crianças! Salve São Cosme e São Damião e a Falange dos Erês

 

Não gosto de final de ano. Não sei se é porque esse lance de inferno astral antes do seu aniversário é real (faço aniversário em janeiro) e entre o Natal e o Ano Novo fico meio ruim, ou se tudo isso é uma baboseira e eu simplesmente não gosto das festas e do clima de final de ano por não gostar mesmo.

Mas sei que acho tudo meio depressivo. Não me apetece o apego familiar exacerbado, a ideia de família reunida, mas não como algo festivo e catártico como uma churrascada de aniversário, e sim como emulação de uma festividade do hemisfério norte, com uma reflexão forçada, em encontros completamente forçados, que, não obstante, tendem a acabar em mal estar.

E isso é o completo oposto que representa o 27 de setembro, o dia de São Cosme e São Damião. Algo genuinamente alegre e orgânico e que mexe com os melhores sentimentos possíveis que cada um guarda dentro de si, porque envolve infância, juventude, doce e rua. No Cosme e Damião não existe um Papai Noel que presenteia crianças ricas e não dá nada ou pares de meia para as pobres. No dia 27 não tem chaminé, é durante o dia, no meio da rua, correria, sincretismo religioso, risada, brincadeira e um momento onde, invariavelmente, as crianças serão iguais.

Mas peço uma licença para falar um pouco mais sobre, prometo ser breve. Não vou ser umbiguista ou etnocêntrico este ano, não sei se fora do Rio de Janeiro e de alguns outros cantos ou subúrbios e periferias do Brasil as pessoas conhecem ou comemoram o dia de São Cosme e São Damião e sequer sabem o que significa.

Confesso que sou afastado das coisas religiosas, mas sou próximo das coisas culturais. Portanto, mesmo agnóstico, meus olhos saltam de felicidade toda vez que vejo nas redes sociais fotos da molecada no dia 27 de Setembro catando os saquinhos de doce de Cosme e Damião.

Era o dia do ano mais esperado de 9 entre 10 crianças do subúrbio do Rio até pouco tempo atrás. Aliás nem tão pouco assim, umas duas décadas. Não posso afirmar que ainda seja por conta da virulência política e religiosa que dominou o nosso país.

Era dia de: “aeeee tia sou eu e mais 4 irmãos, bota 5 saquinhos de doce ae”, mesmo que você fosse filho único.

Era dia certo de matar aula, sair de casa com a mochila vazia sem hora pra voltar. Ir a pé do Jardim Leal até o Gramacho, de lá até o Centro de Caxias, passando por Centenário, Corte 8, Itatiaia e onde mais visse uma correria, um tumulto de gente, algum terreiro de macumba ou a casa de família católica que ou era devota ou teve alguma promessa atendida por Cosme e Damião. Geralmente, fazia-se promessa para eles quando alguma criança da família estava doente.

Dia de voltar para a casa com a canela russa, todo mulambo de barro e poeira, com caganeira, dente cariado, mochila já dando formiga de tanto doce. Rolava um acordo tácito, mesmo os pais mais disciplinadores na questão escolar (como eram os meus, por exemplo), que não admitiam uma reclamação, não permitiam que os filhos faltassem ou matassem aulas nunca, jamais, no dia 27 de setembro fingiam que não sabiam que seus filhos matariam aula e os filhos, por sua vez, fingiam que enganavam.

Minha mãe tinha uma parada com limpeza que era braba, quando eu abria o portão era certo de ouvir o “não vai entrar na casa imundo desse jeito nem por um decreto”. Pegava a mangueira, abria o registro e no jatadão de água saía bolota de barro até de dentro da orelha.

Esse dia significava um sincretismo religioso completamente saudável entre católicos, umbandistas e candomblecistas. Ali era Cosme e Damião para católicos, Festa de Erê para as religiões afrobrasileiras, doce pra molecada, caruru pra todo mundo, o padre missionário italiano da paróquia indo almoçar no terreiro da dona Mariana, e ouvindo “peão na obra quer trabalho”, acabando tendo que ajudar a distribuir os saquinhos de doce usando chinelo de couro, a rapaziada do terreiro indo pra missa à tardinha benzer alguns mantos e etc.

Você até ouvia algumas outras religiões falando que “doce era coisa do capeta”, mas ninguém dava bola, era uma minoria guetificada que, de tão radical, acabavam dizendo que os católicos que idolatravam santos estavam adorando o “capeta” também.

Ninguém ali imaginava ainda que algumas daquelas religiões virariam seitas totalitárias. Algumas até chegando às vias de fato da criminalidade, como os “Bandidos de Jesus” que crescem a cada dia.

Hoje, estes formam uma – não chega a ser maioria – mas uma média coesa, militante e radical que quebra santos, elege governadores, presidentes, deputados, chefes de tráfico; e depredam terreiros e expulsam mães de santo dos subúrbios.

Uma das coisas que sempre penso, também, a respeito desta data é que ela talvez seja a primeira relação imaterial e de identidade que a criança tem com o subúrbio, e também a primeira relação de orgulho e apego com o seu bairro e sua vizinhança.

É o dia da desforra, é o dia em que, em outros tempos, o pré-adolescente do bairro de classe média e praiano, sentia aquela invejinha do pré-adolescente do bairro empoeirado; da Penha, Leopoldina, Bangu, Madureira, Oswaldo Cruz, Campo Grande e Baixada.

Mais do que um dia de santo, o dia 27 de Setembro é o dia “Abre Alas” do suburbano. É aquele que marca na pele o amor pela calçada, pela rua, pela Igreja da Penha lá longe, no horizonte, o Cristo Redentor dos fudidos, é o dia também em que lembramos e homenageamos mesmo em pensamento o nosso Santo ainda em vida, Zeca Pagodinho.

É, enfim, um dia sagrado que, diferente do Natal, concede para as crianças mais pobres um gostinho de igualdade social e é aquele dia que abençoa e batiza a vida do ser suburbano, o que abre o caminho para todos os outros que virão.

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