Por: Vinícius Carvalho
Se existisse uma máquina do tempo que trouxesse Getúlio Vargas e Luiz Carlos Prestes diretamente do ano de 1945, jogasse os dois, peladões, sem entender nada, como numa cena de filme distópico, no meio do Largo da Carioca, a primeira coisa que eles fariam seria olhar um para cara do outro e falar “eita porra”, depois iam para uma banca arrumar um jornal para cobrir suas “vergonhas”.
Nessa banca de jornal, eles começariam a ler as notícias e entenderiam que Lula é o cara da centro-esquerda, maior líder popular vivo do país, recém saído da cadeia, porém seu partido ainda contando com uma forte rejeição e oposição, o tal de “antipetismo”. Se identificariam, obviamente, com sua figura histórica e trajetória.
Aí eles passariam a tatear a política atual, “o que está acontecendo no país”? Veriam que o Brasil vive um verdadeiro caos humanitário e civilizatório, fome, crise pra tudo quanto é lado e o pior: um clima de golpe de extrema-direita pairando no ar.
Depois, eles buscariam a opinião da oposição à esquerda do PT e a tal terceira-via. Caminhariam até a sede do PDT, ali na Praça Tiradentes para conversar com o Lupi, depois se dirigiriam à sede do PCB, na Rua da Lapa. E é aí, meus amigos, que ambos ficariam ruborizados, pra não dizer horrorizados, porque iam se deparar com um cenário mais distópico do que a ideia de “máquina do tempo” que inicia este texto. Teriam a triste constatação de que no exato momento em que vivemos estas pessoas tenham elencado o Lula como o inimigo a ser combatido em nome de uma revolução que não irá ocorrer, no caso da esquerda radical, e em nome de destruir o petismo e pegar o seu espólio eleitoral, no caso da terceira-via Cirogomista.
Ambos, Vargas e Prestes se entreolhariam novamente e falariam, “o que essa gente tem na cabeça?”
Vamos falar sério agora.
Lembram quando eu falava que “linguagem” e “gestual” hoje em dia são coisas importantes pra caramba? Então. Bolsonaro é o presidente mais idiota que o Brasil já teve, mas ele sempre deixou nítido, desde antes de vencer as eleições que ele queria dar um golpe e fechar o congresso, que ele queria ser ditador desse país. Força? Nunca teve. Mas o que é exatamente ter força com a cadeira presidencial?
Muito mais importante que ter ideias, é fazer com que outras pessoas acreditem nessa ideia. Bolsonaro sempre esticou a corda da democracia e ameaçou as instituições o máximo possível, e como resistência só encontrou notas de repúdio. Ora, a cada novo ataque, digno de responsabilização criminal, os ecos que eclodiam eram os seguintes: “ele é loucão, fala da boca pra fora”; por outro lado, se assustavam e reagiam de tal forma: “meu Deus, ele tem o exército do lado, não vamos reagir porque ele vai dar um golpe”.
E assim, ninguém reagiu, ninguém fez nada, e Bolsonaro foi ganhando o terreno, os corações, as mentes e plantando a sementinha da legitimidade dos seus intentos, até que
esse tal terreno aí, o do golpe, agora ele quer reivindicar por usucapião. Quando o Alexandre Moraes começa a reagir é tarde demais.
O Bolsonaro tentará dar um golpe no país no dia 7 de setembro? Não sabemos, mas ele está ameaçando. Seu filho, o Bananinha, já fala abertamente em descumprir decisões do STF. E, de fato, se o Bolsonaro estiver tão capilarizado assim dentro das polícias e exército, quando o STF emitir uma decisão, quem vai executar? Quem vai cumprir?
É bom lembrar que um dos lemas da extrema-direita desde o início da pandemia é “decisões ilegais não se cumprem”. O que é ilegal para eles? Ora, tudo o que achem que é ou, de acordo com o já mencionado aqui Olavo de Carvalho, em tudo aquilo onde a constituição não seja nítida o suficiente e deixe brechas. Para eles, prender alguém que está cometendo um crime ao conspirar contra a democracia não é ilegal, ilegal é a decisão da justiça, logo, “não se cumpre”.
A questão é, Bolsonaro vai ter o seu grande teste de força dia 7 de setembro e o próprio anda autoconfiante a ponto de falar que “será a última”, porém, se ficarmos acuados como já dito aí pelo blogueiro de esquerda Eduardo Guimarães, “preparem seus passaportes” será justamente tudo o que o bolsonarismo e o golpismo querem, ganhar sem luta e sem disputa. É momento de confrontar essa turba sem medo.
Sem medo, mas sabendo que a situação é sim grave. Quando um tenente-coronel da PM paulista precisa gravar um vídeo dizendo que “a corporação está unida e não se alinhará a aventuras golpistas e conspiradores” é porque a corporação não está unida, é uma demonstração de fraqueza. Afinal, se não existisse tal risco, esse tipo de vídeo nem seria gravado, certo?
Quando estourou o caso do Dr. Jairinho este ano, escrevi um texto dizendo que a ligação de Jairo, o pai, Jairinho, as milícias e a família Bolsonaro era a consolidação da corrupção do baixo clero e que o projeto dessa turma era tornar o Brasil num grande Rio de Janeiro. Esse golpismo 2021, protagonizado por Jair Bolsonaro é mais ou menos a consolidação dessa ideia.
Um golpismo não gestado por intelectuais ou por uma elite financeira ou militar. Mas um golpe dado por guardas da esquina, por contraventores, donos de puteiros no subúrbio do Rio e periferia de São Paulo, bicheiros, pastores e todo o tipo de pilantras e bandidos da fauna urbana.
O golpe, dessa vez, não será apenas ideológico, a ideia de intervenção passou a amadurecer quando crimes e mais crimes de Bolsonaro foram descobertos. É uma tentativa de golpe, acima de tudo, para que Bolsonaro continue roubando, a milícia continue matando, o agronegócio continue passando a boiada e o mercado financeiro continue raspando o tacho do país.
E o mais incrível é que até a fome, a miséria, o desemprego vem a calhar a ajudar essa turba. O desespero é um fator psicológico que, de acordo com Yannis Varoufakis, não desperta a chama revolucionária do povo, é o contrário, o torna mais reacionário, mais submisso e mais suscetível aos pequenos poderes. Quanto mais fome, quanto mais
miséria, quanto mais desemprego, quanto mais alto o dólar, a gasolina e a cesta básica, a sensação que eu tenho, é que mais o Bolsonaro se fortalece dentre as duas pontas do nosso espectro social, quem está ganhando muito dinheiro com tudo isso, e com quem não tem nada, absolutamente nada, nenhum conforto material, nenhuma qualidade de vida, nenhuma comida no prato.
O efeito Lula e a “guerra espiritual”
Quem está rodando o país fazendo a grande política, tentando reatar nós entre os diversos espectros políticos da sociedade é o ex-presidente Lula. Se encontra com indígenas no Maranhão pela manhã e de noite com Tasso Jereissati, no Ceará. E conforme Lula cresce e aparece ganhando a benção de uma Mãe de Santo, no Rio Grande do Norte, um burburinho realizado pela ala bolsonarista mais radical e evangélica, passa a repetir que “a guerra é espiritual”.
Uma das narrativas criadas pelo bosonarismo é esse papo perigosíssimo de “guerra espiritual”. Pessoas que acreditam que o Brasil vive uma guerra santa, uma jihad cristã, está disposta a tudo: até matar um parente em prol do desfecho político que lhe é conveniente.
Ciro Gomes dormiu como Getúlio Vargas e acordou como Carlos Lacerda
Nesse enleado, qual tem sido o papel do Ciro Gomes e da dita terceira-via? Eleger Lula e Haddad como seus principais inimigos, chamar Haddad de poste, canalha, Lula de bandido, corruptor e, pasmem, as últimas do clã Gomes foram pesadas a ponto do Ciro falar que Lula “elogiava Hitler”, “é misógino, homofóbico e reacionário”. Ivo Gomes, seu irmão, ao ver uma foto de Lula com seu outro irmão Cid, comenta na foto do seu perfil pessoal “cuidado com a carteira”.
É este o nível da política, esses são os inimigos eleitos pela terceira-via cirogomista. Como iniciamos este texto falando de Vargas e Prestes, agora é momento de lembrar outra figura, sempre conspiradora, sempre golpista, sempre errando o timing político, aquele que Ciro Gomes parece emular, Carlos Lacerda, o grande inimigo de Vargas.
Como no romance A Metamorfose, de Franz Kafka, quando certa manhã Ciro Gomes acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Queria ser Getúlio Vargas, mas ao se olhar no espelho era Carlos Lacerda.
Já a oposição da dita esquerda-radical, bem, essa daí nem vale a pena perder muita tinta ou pena. Mas espero que no dia 7 de setembro, eles, ao invés de continuarem cumprindo o papel de ombudsman do Lula façam como os revolucionários que os inpira e enfrentem fascistas, e não o PT. Afinal, quem é o inimigo deles?