Por: Diogo da Silva
Lula jamais foi ou será o queridinho da mídia brasileira. Pelo contrário, sempre em seu nome foram imputados exatamente o contrário do que mostrou em seus mandatos como presidente, marcados pela conciliação como pavimentação do caminho da redistribuição de renda e da construção da mínima dignidade para a população mais carente do país.
Faltando menos de um ano para as eleições, inúmeras pesquisas apontam que a candidatura de Lula é a mais robusta para o pleito de 2022. É este o gatilho para a campanha de difamação já em curso nos grandes veículos de comunicação do país, o que, convenhamos, não é nenhuma novidade. De posse desse conhecimento e da análise do tabuleiro, parece se justificar a estratégia adotada até aqui pelo líder do Partido dos Trabalhadores, que aposta em uma visibilidade calculada para não dar munição para a imprensa controlada pelas elites e pelo mercado financeiro – que a propósito, fazem fortuna com a desgraça do povo brasileiro.
Considerando suas mais recentes declarações, Lula demonstra ter consciência de que uma de suas grandes faltas foi não ter encarado a regulamentação da mídia como um de seus objetivos principais em seus dois mandatos – o que já foi feito na Argentina (2009), Venezuela (2005), Uruguai (2015) e é aplicado em outros países como EUA e Reino Unido. Aqui no Brasil, porém, a regulação dos meios parece ser um tabu comparável a descriminalização da maconha ou do aborto, visto que, quando pautada, a questão é resumida em uma única palavra: censura.
Bastou Lula falar em regulação da mídia para que os jornais e veículos de grande circulação ativassem o botão do pânico, divulgando em suas manchetes que o Partido dos Trabalhadores, novamente no poder, trabalhará pela “censura da imprensa” e pelo “controle social”. Essa é a maneira que a imprensa brasileira encontra para sufocar o debate, para promover danos políticos sensíveis ao ponto de um provável recuo. E o pior é que funciona.
De acordo com pesquisa realizada de forma conjunta entre a ONG brasileira Intervozes e a Repórteres Sem Fronteiras lançada em 2017, 70% da audiência nacional no segmento televisivo é comandada por apenas quatro grandes redes, que também detêm o comando das principais rádios, jornais e sites de notícias do país. Ainda segundo o levantamento, 26 grupos econômicos detêm os 50 meios de comunicação com maior audiência no país, sendo que 73% desses grupos estão localizados em São Paulo e 80% na região sudeste e sul do Brasil.
Ainda mais graves são as ligações entre políticos – incluindo seus familiares – e os meios de comunicação, assim como a propriedade cruzada – quando se é dono de rádio, televisão, jornal – e os outros investimentos destes empresários da comunicação, que também são donos ou sócios de empresas de educação, agronegócios, empresas do ramo imobiliários, farmacêutico, transporte, financeiro… A pesquisa é ampla e os dados são claros como o sol de um meio-dia sem nuvens, tudo disponível no Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil.
E assim, defendendo a liberdade de imprensa, os donos do poder mantém seu oligopólio no Brasil, transformando todos que lutam por algum tipo de regulamentação dos meios de comunicação em comunistas, defensores de ditaduras, inimigos do mundo livre. E Lula, é bom lembrar, já ocupou todos essas posições – Eleições de 89, “Mensalão”, “Lava Jato” -, segundo a pena dos jornalões e emissoras de TV. Ocupou e continuará ocupando, basta ligar a TV ou ler um editorial do dia corrente publicado pelos principais jornais do país. Lembrando Noam Chomsky, a fabricação do consenso ainda é uma potente arma engatilhada e apontada bem no meio das ideias de toda a gente.
Hoje, o tema é ainda mais complexo quando pensamos que, além dos veículos de comunicação, vivemos a realidade da comunicação digital global, onde um evidente monopólio estrangeiro concentra a maior parte do tráfego de informações nas redes sociais atualmente preferidas pela gente brasileira – Facebook, Instagram e WhatsApp. É neste ambiente que um problema soma-se ao outro, no caso, o algorítimo que elege o tipo de conteúdo mais apropriado para determinada visão de mundo, retroalimentando a cadeia iniciada com a construção das mensagens produzidas pela elite econômica e política do país.
Muito mais do que regular conteúdos – o que é viável, como por exemplo, no caso de notícias falsas e campanhas de difamação – regular os meios de comunicação é uma forma de construir um grau mais avançado de cidadania e, consequentemente, de democracia. Nossa Constituição, por exemplo, traz alguns artigos sobre direito à informação, liberdade de expressão e até restrições de propriedade sobre veículos de comunicação no caso de deputados e senadores. Porém, na prática, há pouca efetividade para fazer valer o que diz a carta magna.
Apesar de ocupar um segundo plano diante do avanço da fome e da insegurança alimentar, do desemprego, da precarização do trabalho, do preço dos combustíveis e de muitos outros fatores decisivos para a vida do brasileiro, a regulação da mídia deveria sim ser uma de nossas grandes preocupações. E agora a tarefa ficou ainda maior, visto que entre os dez mais ricos do mundo, mais da metade trabalha com internet e informática, ou seja: com os dados do nosso consumo, gerando conteúdo e nos comunicando.
E quando fala sobre regulação da mídia perante a imprensa, Lula se coloca mais uma vez diante deste grande desafio. Não que se trate de uma questão pessoal, mas certamente terá alguma influência todas as lembranças de ter a máquina toda voltada contra si, contra sua família, contra seu partido… a volta por cima. A trama é boa, coisa de novela, vale a pena ver de novo.