Por: Thaís Pagano
Pensar criticamente a América Latina requer um olhar atento para o seu processo histórico, sua constituição como capitalismo periférico e sua condição de subalternidade, essencial ao sistema imperialista. Dessa forma, é inevitável refletir sobre a transformação de seus recursos naturais e humanos, inicialmente em capital europeu e, depois, norte-americano. O mecanismo global capitalista tratou de estabelecer paulatinamente seu modo de produção e a estrutura de classes, por meio de relações marcadas pela opressão e exploração, garantindo o desenvolvimento do capital mundial às custas do subdesenvolvimento dos países latino-americanos.
Especificamente sobre o Brasil, seu contexto de crise econômica e política vem garantindo a ampliação e consolidação do conservadorismo ultraliberal, fortalecido pelo discurso do fundamentalismo religioso das igrejas pentecostais, tendo como destaque um conjunto de medidas que agravam a questão social, que atinge negativamente a vida dos trabalhadores. Nesse sentido, é possível identificar os esforços do capital financeiro em assegurar as privatizações, o desmonte de políticas públicas e sociais, e o assolamento de direitos sociais e trabalhistas. O regime de acumulação na ordem capitalista se assenta na exploração da classe que vive do trabalho e na expropriação das riquezas das regiões periféricas, em harmonia com a geopolítica dos centros mundiais de poder. A ascensão do conservadorismo reacionário tem marcado o solo brasileiro de forma singular há cinco anos e ameaçado permanente e violentamente a democracia.
São nas mazelas sociais, próprias das sociedades capitalistas, expressas na miudeza do cotidiano, que a conjuntura se revela. Sendo assim, para compreender os acontecimentos políticos que nos permeiam, é fundamental realizar análise de conjuntura, que é uma leitura especial, crítica e profunda da realidade, feita em função de um propósito. Independente de nossa vontade ou percepção, essa análise já faz parte de alguma maneira do nosso dia-a-dia, quando fazemos pesquisas para tomada de decisões, como a compra de produtos no supermercado, matrícula do filho na escola ou a saída de um emprego. Essas decisões são decorrentes de avaliações realizadas a partir das informações e conhecimentos que dispomos.
A análise de conjuntura é um ato eminentemente político, por isso nunca é neutro e desinteressado. É uma tarefa complexa que exige capacidade de perceber, compreender, descobrir sentidos, identificar demandas, relações, tendências, projetar ações a partir de dados e informações, com o objetivo de desvendar a trama das relações sociais. É um retrato dinâmico da realidade, que mistura conhecimento e descoberta, possibilitando uma leitura intensa da realidade política, econômica e social. Feita sob a ótica das classes populares, pode instrumentalizar a organização da luta coletiva e política dos trabalhadores, por meio da investigação dos acontecimentos considerando-os determinados histórica e socialmente, buscando se constituir enquanto elemento de transformação da realidade social. Ela é um instrumento que permite identificar os interesses e as necessidades em jogo, ponderando as articulações e dimensões locais, regionais, nacionais e internacionais dos fenômenos.
Algumas categorias são essenciais para realizar análise de conjuntura, são elas: acontecimento – fatos que adquirem sentido especial para um indivíduo, grupo, classe social ou país; cenário – espaço no qual as ações da trama social se desenvolvem; atores – indivíduos, classes e grupos sociais, instituições, como sindicatos, partidos políticos, jornais, rádios, igrejas; relações de força – relação estabelecida entre os atores, que pode ser de confronto, domínio e subordinação ou de equilíbrio, diálogo, igualdade e cooperação; articulação entre estrutura e conjuntura – acontecimentos e ações desenvolvidas pelos atores sociais, situadas em determinadas estruturas, têm relação com o processo histórico, com as relações sociais, econômicas e políticas, estabelecidas ao longo do tempo, interferindo na conjuntura.
O acirramento da desigualdade social, em especial nos países da América Latina, território subjugado pelo poder imperialista, nos impele a buscar caminhos para transformar o contexto latino-americano e isso só é possível com o conhecimento de sua realidade multifacetada. Sendo assim, a análise de conjuntura é uma ferramenta fundamental para que os movimentos sociais populares na América Latina possam superar suas limitações teóricas e organizativas, pois ela propõe uma espécie de intervenção política, definindo estratégias capazes de avaliar as forças que participam da dinâmica social que estão em constante mutação, diferenciando as disposições de ordem subjetiva (vontade) das de ordem objetiva (real).
Em tempos de capital financeirizado, expressão da nova hegemonia liberal-financeira, se faz urgente o fortalecimento de processos de resistência para a construção de outras formas de sociabilidade, que combatam a pauperização, a subordinação, a exploração dos trabalhadores, a desigualdade social, a criminalização dos movimentos sociais e que garantam a socialização da riqueza socialmente produzida, a efetivação de direitos, bem como a consolidação da democracia e da cidadania.
